Arquivo mensal: novembro 2013

Os Sentidos

É difícil saber o que dizer, exatamente. Eu fiquei alguns minutos encarando o cursor piscar na página em branco do Word. Sempre tive dificuldade de expressar sentimentos, colocá-los em palavras. Às vezes o que sinto é tão complexo, que mal sinto que cabe dentro de mim, muito menos em um adjetivo. Sentir não é racional, raramente conseguimos exprimir com exatidão o que sentimos, jogamos adjetivos de um lado pro outro, mas nunca sentimos só raiva, ou só paixão, sempre tem um je ne sais quoi, aquilo que não cabe em todas as combinações possíveis de todas as letras do alfabeto. Por isso eu tenho dificuldade em escrever. Não que eu considere que eu escrevo “mal”, mas sempre acho medíocre, pois nunca acho que consigo transmitir o que sinto com exatidão.

Isso tudo pra dizer que eu deixei de escrever algo que está martelando nos meus pensamentos já há um tempo, pois não sabia exatamente o que sentia, e, portanto, o que queria dizer. Mas vou falar mesmo assim, porque os sentimentos permanecem e os pensamentos crescem, e daqui a pouco, sinto que não terá espaço suficiente em meu corpo para armazená-los.

Outro dia conversava com a minha mãe sobre algo que já não me lembro, mas sei que o assunto chegou ao preconceito. Falava da minha indignação contra o racismo e dizia que não conseguia compreender o que levava alguém a pensar que uma raça poderia ser inferior ou superior à outra. Minha mãe concordou. Depois falei que também não conseguia compreender a homofobia. Minha mãe discordou. E foi esse o estopim que me levou a escrever isso. Ela disse que achava estranho, que se sentia incomodada, que não entendia, mas ela disse que não julga ninguém por isso, ou deixa de gostar de alguém por sua orientação sexual. Talvez se eu ouvisse isso e não fosse bissexual, não me incomodaria tanto, não me machucaria, não pensaria na ideia de que talvez a minha mãe olhasse pra mim diferente, pensasse menos de mim, não me tratasse igual. Para mim, se alguém consegue entender o amor por outra pessoa, a paixão, a libido, então ela pode entender a homossexualidade, a bissexualidade, a heterossexualidade, seja lá qual for. Pode ser que ela não sinta o desejo com alguém do mesmo sexo, mas ela sente desejo por outra pessoa que não ela mesma. E pra mim isso já basta. Ninguém escolhe sua orientação sexual. Ninguém acorda e diz: “hoje vou ser gay”, ou “hoje serei hetero”. Alguém que é hetero não sabe, particularmente, o porquê, ele só sente o desejo por alguém do sexo oposto, é inato, assim como a atração por alguém do mesmo sexo. A gente não sabe explicar porque a gente gosta de homem, ou mulher, ou ambos, é sentimento, é instinto. Tudo bem que provavelmente há mil explicações psicológicas para a orientação sexual, mas isso vale para qualquer orientação sexual.

O grande problema do homem é a necessidade de racionalizar tudo: precisamos rotular, quantificar, qualificar, metodizar, definir, analisar e explicar tudo o que fazemos, sentimos e pensamos. Tudo precisa ter um sentido. Mas o problema é que, no meio dessa necessidade de tudo ter sentido, paramos de sentir. Tudo é pensado, calculado, esquematizado, tudo precisa dobrar-se diante leis e regras, que são absorvidas e interiorizadas pelo nosso ego, e que acabam prescrevendo nossas opiniões e pensamentos. Não estou dizendo que devemos esquecer toda a racionalidade e agir apenas segundo nossas sensações, isso faria tão pouco sentido quanto querer racionalizar tudo. O que estou dizendo, é que nem tudo cabe num esquema. O amor não cabe num esquema. Nem o desejo. Isso cabe no sentimento. Nem tudo precisa fazer sentido, às vezes só precisa ser sentido.